Roberta Sá não se lembra, mas a família conta que ela sempre cantou, “desde os três anos de idade”. A primeira memória é de assistir Judy Garland entoando a clássica “Over the Rainbow” no filme “O Mágico de Oz”, de 1939, que ela gostava de cantarolar durante as férias na casa da avó paterna. Os programas musicais apresentados por Bia Bedran na TVE também participaram dessa fecunda formação da potiguar que, ainda criança, mudou-se para o Rio de Janeiro.
Nesta quinta (12), Roberta estreia em Belo Horizonte o espetáculo em que comemora duas décadas de estrada no mercado fonográfico, desde que colocou na praça o incensado “Braseiro”, em 2005. “Eu era uma menina muito insegura, gostava mais de estúdio do que de palco”, recorda a intérprete.
Agora, no entanto, essa relação se equilibrou. Aos 44 anos, Roberta tem refletido sobre a caminhada “para a segunda parte” de sua vida, enquanto aproveita a interação com a plateia. “Hoje, me sinto uma mulher madura e tenho vivido essa experiência com muito prazer”, confirma ela, que mantém “o amor pelo Brasil e pela música brasileira” como condutores dessa trajetória.
Batizado “Tudo Que Cantei Sou”, o novo show aposta em “um formato intimista e revelador”, em que a cantora é acompanhada pelo violão de Gabriel de Aquino e pelo bandolim de Alaan Monteiro. “Tudo que canto nesse show eu vivi em algum momento da minha vida, a troca com o público é muito intensa, me sinto exposta no melhor dos sentidos”, afirma Roberta, que tem se emocionado com a turnê.
O repertório congrega canções de Gilberto Gil, Adriana Calcanhotto, Marcelo Camelo, Roque Ferreira, Lula Queiroga, Rosa os e Rodrigo Maranhão. Roberta destaca contribuições de uma nova geração de compositores, como “Virada”, de Marina Iris e Manu da Cuíca, e “Essa Confusão”, de Dora Morelenbaum e Zé Ibarra.
“Essa turma tem produzido uma música muito bonita e consistente, estamos em um momento de coisas lindas acontecendo na música brasileira”, enaltece. Ela não esconde que pretende gravar um novo álbum a partir da empreitada. “É um show que, para mim, a muito rápido, não quero que ele saia mais da minha vida”, ite, feliz em se voltar “para um sentimento mais cru”. “Percebo um espaço artístico nascendo em mim”.
Não por acaso, ela exalta o projeto “Uma Voz, Um Instrumento” idealizado por Pedrinho Alves Madeira. “O brasileiro é um povo muito festeiro, que adora dançar e se comunicar com o corpo, cantando junto com a massa, e isso é muito gostoso, mas esse lugar da introspecção que um show nesse formato traz também é essencial”, avalia Roberta, para quem o povo mineiro a conecta às raízes do Rio Grande do Norte.
“Fui criada com essa relação com a mesa, a família, que sempre reencontro aqui. Minas Gerais fala muito sobre o Brasil e trouxe contribuições fundamentais para a música brasileira. Belo Horizonte sempre é uma das primeiras cidades onde me apresento”, observa Roberta, que já cantou em um show ao lado de Milton Nascimento.
Discreta nas redes sociais, ela revela que “demorou a entender uma coisa simples”. “Se você é músico, você tem que estar na rede social com a sua música. Essa presença precisa ser pensada, demanda constância. A aproximação com o público é boa e perigosa em alguns aspectos. Acredito que tenho me relacionado cada vez melhor com as plataformas, ciente de que as redes sociais podem virar um lugar de muita hostilidade. É preciso saber dosar, tomar cuidado para não viciar”, opina Roberta.
Imaginação
Anelis Assumpção também comemora uma data emblemática nesta quinta (12) na capital mineira. Na companhia de Lelena Anhaia, Edy Trombone, Bruno Buarque, Saulo Duarte, Klaus Sena e MAU, ela sobe ao palco do Teatro Sesiminas para tocar na íntegra “Amigos Imaginários”, álbum que completou uma década de lançamento e que sucedeu seu disco de estreia, “Sou Suspeita, Estou Sujeita, não Sou Santa”, de 2011.
“Consigo olhar para esse trabalho como aquele que me colocou mais seguramente no mercado. Ele tem muitas canções que sigo cantando em todos os meus shows até hoje. Acho que representa a minha afirmação como cantora e compositora”, reflete Anelis, que, nem por isso, tira a importância de seu primeiro disco.
Ela, porém, não tem dúvidas que, a partir de “Amigos Imaginários”, criou essa conexão com “um público que queria ouvir o que eu estava precisando dizer, ou o que eu estava querendo escrever”. “É um disco que tem esse marco para mim, de me conectar a um perfil de pessoas que buscavam outras narrativas dentro da música e das artes, de produzir outro pensamento sobre a cultura no Brasil”.
Além das doze faixas na ordem, que trouxeram participações de nomes como Céu, Thalma de Freitas, Russo apusso e Kiko Dinucci, casos de “Devaneios”, “Song to Rosa” e “Declaração”, a apresentação promete incluir canções da lavra de Anelis que conversam com esse repertório. A artista se mostra uma entusiasta de projetos como o “Encontros Musicais”.
Ela acredita que eles a “estimulam a sair da zona de conforto e se debruçar sobre outras linguagens artísticas”. “Não devem nunca parar de serem fomentados”, defende. Enquanto a trilha se desenrola e Anelis solta a voz com sua banda, o artista visual Paulo Ito criará, ao vivo, pinturas que oferecerão sugestões visuais para os sons, com duas telas grandes.
“Ele é um cara que, além de muita técnica, tem uma sensibilidade incrível, com uma capacidade para essa síntese no improviso assustadora! Vai ser muito bonito e desafiador ver e participar dessa conjunção entre música e artes visuais”, celebra Anelis, para quem “tudo mudou” desde que ela colocou seus “Amigos Imaginários” no mundo, enumerando um corolário de infinitas perdas e transformações.
“Perdi minha irmã (Serena), perdi minha tia (Denise), irmã do meu pai, lancei outros discos, lidei com questões minhas de saúde, meus filhos saíram da infância para a vida adulta. O que permanece sou eu, em transformação constante”, diz. Tanto que, em breve, deve sair um novo capítulo dessa trajetória. Anelis prepara o seu quinto álbum de estúdio, sucessor de “Taurina” (2018) e “Sal” (2023), sem desviar o olhar do que tem acontecido na música brasileira.
“Esse ano tivemos o lançamento de duas grandes artistas que eu iro demais, que são a Jadsa e a Josyara, com trabalhos impecáveis. A Luedji Luna também acabou de gravar um trabalho impressionante. A música brasileira é muito rica e tem uma produção interminável, às vezes é até difícil acompanhar”, confessa ela, que gosta de seguir figuras que a façam “brilhar os olhos”.
Tudo começou na companhia do pai Itamar Assumpção (1949-2003), ícone da Vanguarda Paulista. “Tive esse convívio intenso, agressivo, com uma pessoa que produzia de forma gigantesca, com uma falta de limite criativo, inclusive. Esse volume de pensamento e inventividade é o que mais me influenciou. O tesão pela criação”, sustenta Anelis, que, há cinco anos, se dedica ao Museu Itamar Assumpção, pioneira iniciativa virtual para um artista negro brasileiro, que “reorganiza a memória e a dignidade da obra de Itamar”.
“Essa é a grande missão do Museu hoje e em tudo que ele se desdobra, com projetos novos, inéditos, educativos, a partir dessa preservação, digitalização e manutenção do acervo desse artista atemporal, e único”, finaliza Anelis.
Show de Roberta Sá
O quê. “Uma Voz, Um Instrumento”, com Roberta Sá
Quando. Nesta quinta (12), às 20h
Onde. Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
Quanto. Ingressos esgotados
Show de Anelis Assumpção
O quê. “Encontros Musicais”, com Anelis Assumpção
Quando. Nesta quinta (12), às 20h
Onde. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)
Quanto. A partir de R$50 (meia) na plataforma www.sympla.com.br